O PNC nasce, quando na viragem/virada do ano de 1972 para 1973, junto a uma árvore de Ano Novo, dois estudantes do ensino médio de Moscovo/ou — Aleksandr Tarásov (1958) e Vasily Minorsky — decidem fazer a revolução marxista num país do «socialismo triunfante» — União Soviética.
Uma revolução precisa de um partido clandestino, alias, são necessários grupos clandestinos dos quais o partido emergirá. Paralelamente a esses dois revolucionários, na mesma Moscovo/ou, no início de 1973, surge um outro grupo comunista clandestino, chamado «Escola da Esquerda», composto por seis alunas, unicamente as meninas, estudantes do 2º ano do Instituto Pedagógico Estatal de Moscovo/ou, liderado pela Natalia Magnat (1954-1997) e Olga Barash (1955).
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| Natalia Magnat em 1979 |
Em setembro de 1973, alguns membros de dois grupos participam, de forma independente, num encontro público, conduzido pelo propagandista soviético Valentim Zorin, debatendo a questão da situação no Chile. Pelas perguntas sobre a esquerda ocidental, movimento estudantil, os Panteras Negras, a contracultura, colocadas pela Natalia Magnat, Tarasov, presente no encontro, percebe que encontrou as suas almas gémeas. Nenhum dos dois suspeitava que o outro também fosse membro de um grupo clandestino.
Após meses de intercomunicação, em maio de 1974 surge uma situação que deixa de ser simplesmente romântica e se torna teatral, dramática e até cômica também. Os dois grupos tentam recrutar um ao outro: “Temos nossa própria organização – talvez vocês devessem se juntar a nós?” Ambos retornam correndo para seus respectivos grupos, relatando: «Nós, os recrutadores, estamos sendo recrutados!»
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| Olga Barash (1955) |
Em setembro de 1974, os jovens marxistas formam o Partido Neocomunista da União Soviética (NKPSS em russo, ou seja NPCUS). A organização se beaseia ideologicamente nos «Princípios do Neocomunismo» que foram revisados por Tarasov em maio-junho de 1974 e adotados como documento programático. A liderança soviética pós-Lenine traiu a causa da revolução. O país está entrando em estagnação. O número de pessoas com mentalidade burguesa e consumista está crescendo. Com tal liderança e estado de espírito geral, a pressão ocidental não pode ser resistida. Os dissidentes [soviéticos] não são melhores que o governo, mas piores [por serem, na sua maioria liberais, pró-Ocidente e/ou anti-comunistas]. No final do século XX, o colapso da URSS e o ressurgimento do capitalismo se aproximam, e as coisas piorarão ainda mais. Mesmo assim, NKPSS ainda acredita que o socialismo foi construído na URSS. Acreditam que União Soviética precisa de uma revolução puramente política, sem alterar o sistema económico.
Os jovens marxistas estão profundamente desiludidos com a sua própria geração. Com uma certa razão, pois a juventude soviética das décadas 1970-80 está profundamente apolítica e consumista. Ninguém sequer se interessa pelo Ché ou Gramsci, mas todos queriam saber onde podiam «arranjar» isso é, comprar calças jeans. Nem que sejam os jeans da Índia, já que um par de jeans de marca ocidental, custam, no mercado negro, dois salários do engenheiro soviético, os 250 rublos (cerca de 431 dólares ao câmbio oficial soviético).
Graças à imensa vontade e muita procura, a organização encontra os camaradas com ideias semelhantes, em Leningrado, Dnipropetrovsk (célula liderada pela Galina/Halyna Tyukavkina), Kaliningrado, Kirov, Riga, em Tbilissi e Rustavi na Geórgia, extremamente poucas e muito distantes entre si. O NKPSS cresceu para 32 membros. Outras, cerca de trinta pessoas foram notavelmente influenciadas.
No verão de 1974, os ativistas deram um passo arriscado: pintaram slogans nas paredes dos prédios: «Revolução – já!», «Tirem os idiotas do poder!», «Dez anos são suficientes!» (do governo de Brejnev). As inscrições à giz estavam desbotadas e frágeis; panfletos foram guardados para o futuro. Era tudo muito romântico, recordou Tarasov mais tarde, com humor. «Um escreve, dois vigiam – será que a polícia está vindo?»
Disiplina notável e medidas de conspiração excepcionais
O NPCUS foi marcado por um altíssimo grau de disciplina partidária e uso de medidas de conspiração excepcionais. Membros ocultavam cuidadosamente suas identidades. Há um camarada que teve medo de se filiar ao partido, mas concordou em guardar o seu arquivo. Nenhuma prova incriminatória foi encontrada durante as buscas, pelo KGB, nas casas dos militantes. Toda comunicação era feita somente através caixas postais e cabines de telefones públicos. Os números de telefone eram memorizados. Os números secundários anotados nas páginas de livros, disfarçados de números de página. Pseudónimos nunca eram associados aos nomes reais, isso é, Tarasov nunca seria «Taras» ou Magnat não seria «Magna». Correspondência com células regionais era cifrada, usando a tinta invisível.
Como a KGB os descobriu? Conversas abertas e descuidadas, feitas por alguns membros. De oitenta à cem pessoas poderiam tê-los denunciado. Alguém o fez, de uma ou de outra forma.
Logo após as festas de Ano Novo de 1975, KGB lançou a operação para aniquilar o partido. De uma única vez foram presos 10 membros da célula moscovita (mas somente em 1980, foram descobertos e presos Irina Borisenkova-Orlova e Vadim Makin, a célula da cidade de Kirov). Os camaradas de Kirov eram muito ativos nos círculos artísticos e teatrais locais, promovendo as ideias da “nova esquerda”, principalmente as ideias do “protestos juvenis da década de 1960” e da contracultura da esquerda ocidental. As meninas da «Escola de esquerda» nunca foram apanhadas. Todas os outros foram presos no mesmo dia, exceto Tarasov, que viajava no comboio/trem Leningrado-Moscou. KGB não sabia onde ele estava — naquela época, as passagens eram vendidas sem apresentação do documento de identidade. Ao saber das prisões, Tarasov conseguiu queimar todos os documentos do arquivo. No fim, KGB o esperava em casa.
Os presos tiveram relativa sorte. Não existindo os documentos escritos que confirmassem a existência do partido, então acusação só podiam se basear na transcrição de conversas. Em segundo lugar, eram extremamente jovens; um dos membros tinha apenas quatorze anos. O caso nunca foi a julgamento — Tarasov, Dukhanov e Nikolai Nikitin foram internados em hospitais psiquiátricos especiais, isso é, destinados aos psicopatas reais e também aos dissidentes. Oficialmente, a lei soviética não permitia a permanência, num hospital psiquiátrico, superior aos seis meses, sem uma sentença judicial. Para os demais, a punição foi a expulsão do ensino superior e/ou da juventude comunista Komsomol, chamada, às pressas, ao serviço militar, outras medidas de coersão.
Durante os interrogatórios do KGB, os membros da organização alegaram que aderiam principalmente às ideias do marxismo-leninismo, considerada a ideologia oficial na URSS, e que os seus desvios ideológicos ao trotskismo, o anarquismo e o existencialismo não podiam ser considerados crimes, pois «na URSS as pessoas não eram julgadas por suas opiniões, mas sim por suas ações».
Um dos membros da organização era familiar do Semyon Tsvigun, um dos vices do chefe do KGB Yuri Andropov e próximo ao assim chamado «grupo do Brezhnev». Muito provávelmente que tenha sido Tsvigun quem substituiu a prisão real por enternamento num hospital psiquiátrico — ter um parente prisioneiro político era muito mais ruinoso para a carreira de um alto burocrata soviético, do que ter um parente insano.
No entanto, na psiquiatria punitiva soviética existiam várias maneiras de levar dissidentes à loucura. ECT (eletroconvulsoterapia), coma insulínico, doses maciças de antipsicóticos. Grandes doses de antipsicóticos fazem com que a pessoa gire em torno do próprio eixo (no jargão dos pacientes, «torce»). A cabeça gira para trás, o corpo se inverte. Os ossos podem se deslocar. A ECT pode causar perda de memória, como aconteceu com camarada Igor Dukhanov, responsável pela segurança do partido.
A primeira comissão considerou o camarada Tarasov insuficientemente insano. Ele deu respostas corretas demais, lembrou-se de muita coisa. A eletroconvulsoterapia, à insulina e aos antipsicóticos, acrescente-se espancamentos, com as mãos algemadas. Tarasov afirma ser vítima de espancamentos, recebendo os golpes na virilha, nos rins e na cabeça. Não por enfermeiros, mas por «militares» (?), que se faziam passar por profissionais da saúde (as vezes, eles se esqueciam da conspiração dirigindo-se uns aos outros pelo seu patente).
É de notar que vários outros ex-membros do NPCUS consideram as memórias do Tarasov parcialmente mitómanas, não porque o seu camarada é um mentiroso compulsivo, mas porque considerava toda a sua escrita como a continuação da luta pelo ideal marxista, tal como ele o imagina.
Seis meses depois, o rapaz de dezessete anos é finalmente libertado – deficiente, com hipertensão, reumatismo, espondilite anquilosante, doenças hepáticas e pancreáticas, incapaz de se mover sem analgésicos. Perante a segunda comissão, o prisioneiro consegiu representar um papel semelhante ao de Hamlet, o de um louco, tornado inofensivo. Se a avaliação da primeira comissão era shakespeariana em caráter e profundidade, agora as analogias são literais. Além disso, ele está realmente em péssimo estado físico. Além disso, segundo a legislação soviética, era impossível mantê-lo preso por um ano sem julgamento. O Ministério Público, em teoria, poderia se irritar com o KGB, e o diretor do hospital poderia, também em teoria, ser demitido. Existia uma bastante frágil sombra de «legalidade socialista» – as autoridades soviéticas fingiam seguir as normas.
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| Tarasov, após a sua libertação do internamento psiquátrico em 1976 |
A ala feminina do partido, Natalia Magnat e Olga Barash, diariamente esperavam serem presas, desenvolvem a insônia crônica e dependem de remédios para dormir. Magnat, que se tornou responsável de toda a organização durante esse período, é acometida por anorexia e, mais tarde, pela doença de Crohn. Vários membros abandonaram o partido. Inna Okup emigra para Israel.
Em 8 de janeiro de 1977, vários atentados bombistas perpetrados por, alegados nacionalistas armênios abalaram Moscovo/ou. KGB se lança na investigação de todos os potenciais suspeitos. Tarasov, detido e interrogado pelo KGB, escapou à uma prisão real por um raro golpe de sorte: no dia do atentado, ele estava enternado no Instituto de Reumatismo, à vista de todos, possuindo um álibi perfeito. Mesmo assim, até 1982, Tarasov, como alguns outros ativistas do NPCUS viviam sob a vigilância constante do KGB.
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| Espaço da loja nº 15, Moscovo, 8.01.1977 |
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| Carruagens do metro de Moscovo, 8.01.1977 |
Após a primeira onda de prisões em janeiro de 1975, Natalia Magnat assumiu a liderança daquilo que restou do partido, que não havia ter sido descoberto, conduzido a organização ainda mais para a clandestinidade, salvou-a da destruição completa — até que a restauração do partido re-começou em 1977-1980. Entertanto, percebendo a falta de quisquer possibilidades de influenciar a sociedade, o NPCUS foi auto-dissolvido, por decisão dos seus membros, em janeiro de 1985.
A razão da repressão soviética?
Porque razão o Estado soviético usou toda a sua máquina repressiva para perseguir e aniquilar um minúsculo grupo marxista, mesmo que discordante de alguns aspetos do regime vigente? Temos que entender, que o regime soviético / russo sempre estava e está muito desconfiado de todos aqueles que acreditando em algo, possuem a sua própria opinião, independente das narrativas do regime. Tal como URSS perseguia implacavelmente os marxistas, o regime russo pré-2014/2022, bastante neo-fascista, na sua essência, perseguia os nazis e fascistas russos (com uma «amnistia» temporária e não oficial para aqueles que aceitem participar na guerra contra Ucrânia). O regime do Kremlin pretendia, desde sempre, que cidadão não tenha nenhuma posição sua própria, e que, sem nenhuma sombra de dúvida, acate, quaisquer mudança do discurso ou de atitude, à esquerda ou à direita, imposta pelo poder russo. O cidadão exemplar, como dizia a velha piada soviética: «se desvia somente em sintonia com a linha geral do partido».
Os jovens marxistas, membros e simpatizantes do NPCUS, ousaram questionar a autoridade suprema do Estado soviético. Amanhã poderiam protestar, nem que seja nas conversas das suas cozinhas moscovitas e depois de manhã, até, quem sabe, poderiam aderir às táticas bombistas dos revolucionários russos dos séculos XIX-XX, como tal, mais valia se prevenir, do que os remediar, achava o KGB.
A trajetória do Tarasov pós-NPCUS
Após o início da Perestroica e do fim das repressões políticas na URSS, ele oteve a formação superior em economia e história, se profissionalizando como sociólogo e cientista político. Ainda em 1999, Tarasov exigiu a introdução do estatuto de agente estrangeiro na rússia, e a consequente repressão contra aqueles que o recebessem. Reagiu negativamente aos protestos democráticos da rússia putinista (dezembro de 2011 e fevereiro de 2012), caracterizando-os como protestos da pequena burguesia e de uma «revolta dos consumidores». Em 2012, acusou o regime de putin de supostamente subfinanciar o complexo militar-industrial russo, apesar dos elevados gastos militares da rússia.
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| Alexander Tarasov em 1990-92 |
Em 2013-14, Tarasov categoricamente e ativamente opôs-se à Revolução de Dignidade (Movimento Maydan) da Ucrânia. Posicionou-se publicamente ao lado das ditas «repúblicas populares» de Luhansk e Donetsk, apelou aos esquerdistas russos, para que participassem, com as armas nas mãos, na guerra contra Ucrânia e ao lado das forças russas e separatistas pró-russos.
Texto em português @Universo Ucraniano













































































